Queda do real, que favorece contas externas, reflete pouca confiança no governo

Dólar fora do lugar

Folha de São Paulo – 1º.ago.2021 às 23h15

Em meio às dificuldades da pandemia, a economia brasileira passa por ajustes em áreas fundamentais que podem abrir caminho de crescimento, apesar da inoperância da política do governo federal.

Nas contas externas, por exemplo, há boas notícias. O choque nos preços das matérias-primas continua a impulsionar as exportações e o saldo das transações comerciais.

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Neste ano, até junho, as vendas ao exterior atingiram US$ 137,7 bilhões, um salto de 36% ante o mesmo período de 2020. A retomada da atividade, mais intensa do que se esperava, também deu impulso às importações, que passaram de US$ 88,3 bilhões para US$ 117,9 bilhões na mesma comparação.

O saldo acumulado, de US$ 19,8 bilhões, deve se expandir mais e terminar o ano acima de US$ 60 bilhões, um recorde histórico.

No agregado das transações de bens e serviços, as remessas de lucros e o pagamento de juros da dívida externa ainda levaram a um déficit no primeiro semestre, de US$ 7 bilhões (1,3% do Produto Interno Bruto), embora as projeções apontem para um pequeno resultado positivo neste ano.

O mais importante a notar é a redução considerável do desequilíbrio externo desde o início da pandemia. Em 2019, o déficit nessas operações chegou a US$ 65 bilhões (3,5% do PIB), patamar arriscado em razão da volatilidade dos fluxos internacionais de capitais.

A combinação de termos de troca (a relação entre preços de exportações e importações) favoráveis com a taxa de câmbio desvalorizada coloca o país, em tese, numa boa condição de competitividade, o que deveria favorecer a atração de mais investimentos.

Os sinais parecem apontar nessa direção, mas de forma ainda incipiente. O ingresso líquido de investimento direto no semestre ficou em US$ 12,3 bilhões. Esse saldo é bem menor que o do período correspondente de 2020, devido a remessas, mas a entrada total se manteve em patamar alto, de US$ 25,7 bilhões.

Ademais, há melhora substancial na chegada de recursos em carteira (os que agregam aportes em títulos de renda fixa e na Bolsa de Valores), rubrica na qual o déficit de US$ 2,6 bilhões do ano passado deu lugar a um superávit de US$ 17,6 bilhões. São evidências de que o pior momento de insegurança durante a pandemia passou.

Não há escassez de dólares, portanto. Qualquer perspectiva positiva que se pretenda duradoura, contudo, depende de maior confiança nos rumos da gestão econômica, exatamente o que falta hoje.

A desvalorização do real, a mais intensa registrada desde o Plano Real (se ajustada pela inflação e pelos termos de troca), deve-se a essa insegurança. E, pior, deságua em pressões inflacionárias que afetam principalmente os mais pobres.

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